Sunday, October 30, 2011

Como lidar com os anjos e demônios interiores « Leonardo Boff

Como lidar com os anjos e demônios interiores

24/10/2011
por Leonardo Boff

O ser humano constitui uma unidade complexa: é simultaneamente homem-corpo, homem-psiqué e homem-espírito. Detenhamo-nos no homem-psiqué, vale dizer, no seu mundo interior, urdido de emoções e paixões, luzes e sombras, sonhos e utopias. Como há um universo exterior, feito de ordens-desordens-novas ordens, de devastações medonhas e de emergâncias promissoras, assim há também um mundo interior, habitado por anjos e os demônios. Eles revelam tendências que podem levar à loucura e à morte e energias de generosidade e de amor que nos podem trazer autorealização e felicidade.

Como observava o grande conhecedor dos meandros da psiqué humana C.G. Jung: a viagem rumo ao próprio Centro, devido a estas contradições, pode ser mais perigosa e longa do que a viagem à Lua e às estrelas.

Há uma questão nunca resolvida satisfatoriamente entre os pensadores da condição humana: qual é a estrutura de base de nossa interioridade, de nosso ser psíquico? Muitas são as escolas de intérpretes.

Resumindo, sustentamos a tese de que a razão não comparece como a realidade primeira. Antes dela há todo um universo de paixões e emoções que agitam o ser humano. Acima dela há inteligência pela qual intuimos a totalidade, nossa abertura ao infinito e o êxtase da contemplação do Ser. As razões começam com a razão. A razão mesma é sem razão. Ela simplesmente está aí, indecifrável.

Mas ela remete a dimensões mais primitivas de nossa realidade humana das quais se alimenta e que a perpassam em todas as suas expressões. A razão pura kantiana é uma ilusão. A razão sempre vem impregnada de emoção e de paixão, fato aceito pelo moderna epistemologia. A cosmologia contemporânea inclui na idéia do universo não apenas energias, galáxias e estrelas mas também a presença do espírito e da subjetividade.

Conhecer é sempre um entrar em comunhão interessada e afetiva com o objeto do conhecimento. Apoiado por uma plêiade de outros pensadores, tenho sempre sustentado que o estatuto de base do ser humano não reside no cogito cartesiano (no eu penso, logo sou), mas no sentio platônico-agostiniano (no sinto, logo existo), no sentimento profundo. Este nos põe em contacto vivo com as coisas, percebendo-nos parte de um todo maior, sempre afetando e sendo afetados. Mais que idéias e visões de mundo, são paixões, sentimentos fortes, experiências seminais, o amor e também seus contrários, as rejeições e os ódios avassaladores que nos movem e nos põem marcha.

A razão sensível lança suas raizes no surgimento da vida, há 3,8 bilhões de anos, quando as primeiras bactérias irromperam e começaram a dialogar quimicante com o meio para poder sobreviver. Esse processo se aprofundou a partir do momento em que surgiu o cérebro límbico, dos mamíferos, há mais de 125 milhões de anos, cérebro portador de cuidado, enternecimento, carinho e amor pela cria. É a razão emocional que alcançou o patamar autoconsciente e inteligente com os seres humanos, pois somos também mamíferos.

O pensamento ocidental é logocêntrico e antropocêntrico e sempre colocou sob suspeita a emoção por medo de prejudicar a objetividade da razão. Em alguns setores da cultura, criou-se uma espécie de lobotomia, quer dizer, uma grande insensibilidade face ao sofrimento humano e aos padecimentos pelos quais tem passado a natureza e o planeta Terra.

Nos dias atuais, nos damos conta da urgência de, junto com a razão intelectual irrenunciável, importa incluir fortemente a razão sensível e cordial. Se não voltarmos a sentir com afeto e amor a Terra como nossa Mãe e nós, como a parte consciente e inteligente dela, dificilmente nos moveremos para salvar a vida, sanar feridas e impedir catástrofes.

Um dos méritos inegáveis da tradição psicanalítica, a partir do mestre-fundador Sigmund Freud, foi o de ter estabelecido cientificamente a passsionalidade como a base, em grau zero, da existência humana. O psicanalista trabalha não a partir do que o paciente pensa mas a partir de suas reações afetivas, de seus anjos e demônios, buscando estabelecer certo equilíbrio e uma serenidade interior sustentável.

A questão toda é como nos assenhorear criativamente de nossa passaionalidade de natureza vulcânica. Freud se centra na integração da libido, Jung na busca da individuação, Adler no controle da vontade de poder, Carl Rogers no desenvolvimento da personalidade, Abraham Maslow no esforço de autorealização das potencialidades latentes. Outros nomes poderiam ser citados como Lacan, Reich, Pavlov, Skinner, a psicologia transpessoal e a cognitiva comportamental e outros.

O que nos é permitido afirmar é que, independentemente, das várias escolas psicanalíticas e filosóficas, o homem-psiqué se vê obrigado a integrar criativamente seu universo interior sempre em movimento, com tendências dia-bólicas e sim-bólicas, destrutivas e construtivas. Por acertos e erros vamos, processualmente, descobrindo nosso caminho.

Ninguém nos poderá substituir. Somos condenados a ser mestres e discípulos de nós mesmos.

Thursday, October 27, 2011

Problema Missionário: a reprodução dos erros nacional em outras terras.


 Recebo semanalmente emails e mensagens no Facebook falando sobre a importância do trabalho missionário, mas hoje, acho que deveríamos repensar algumas coisas importantes com respeito a missão da igreja e o trabalho transcultural. Recomendo a leitura de meu artigo na revista theologando . A primeira coisa que me ocorre é que trabalho transcultural é comunicação de conteúdo cultural. Entendo que a mensagem do evangelho se encaixam em qualquer cultura, mas junto com ela, existem os elementos coadjuvantes relativos a própria cultura do missionário. Neste sentido, essa coisas que chamamos de igrejas evangélica brasileira é uma sub-cultura tipicamente brasileira que me preocupa, pois contem muitos elementos dissonantes ao evangelho. Me pergunto se os missionários estão levando a mensagem do Cristo, ou apenas reproduzindo seus próprios erros em outros países. Não vou nem discutir a questão da igreja universal (IURD) e os congêneres, pois nada têm de Cristãos. Ademais as igrejas que parem mais sérias comunicam um evangelho que ao invés de libertar os ouvintes, apenas abre a porta para o cristianismo neopentecostais. Afirmo isso porque a doutrina da prosperidade está incubada nas igrejas tradicionais, bastando observar que apenas pessoas ricas e bem colocadas são eleitas como liderança. Falta na igreja brasileira um ensino que leve as caminhantes à liberdade e autonomia. Liberdade no sentido de entender que Deus nos faz livres para experimentar sua vida em nos, livres das heteronomias religioso do não toque, não coma. Outrossim, uma liberdade de escolhas e de consciência para que se experimente Deus na vida real. Nas igrejas ainda discute-se questões como a mulher obedecendo ao marido, ou o membro obedecer ao pastor, no sentido de que a causa e origem de todos os problemas sociais sejam derivados a desobediência destas práticas tidas como naturais e divinas. Certamente que a Bíblia afirma a relação de obediência da mulher ao homem, conquanto seu texto escrito em um período onde as mulheres ficavam em casa, e os homem trabalhavam fora, repare que isso mudou já a alguns anos, e ainda bem que mudou, pois apensar dos problemas (familiares e trabalhistas), ainda sim caminha-se para uma situação de mais possibilidade de escolhas. Não seria mais cristão que o marido e a mulher vivessem segundo relações de amizade e carinho? Eu escolho estar com esta pessoa, ao invés de estou casado porque deus/pastor/igreja ordenou? Semelhantemente a relação pastor/membro torna-se doentia, porque imagina-se o pastor como autoridade, ao passo que se esquece que somos todos igualmente humanos, pastor deveria pastorear as pessoas para que cresçam e não comandá-las para que obedeçam. Fica a dica, mas pense no problema missionário. Que estamos comunicando para os povos africanos e orientais? Valores machistas e ultrapassados? Não deveríamos ensinar essas pessoas a ler a Bíblia como ela é ao invés de leituras espirituais estranhas de sonhadores malucos? Não deveríamos levar a essas pessoas um entendimento sobre a condição humana ao invés de leis e práticas religiosas? Pastor é aquele que ajuda no caminho ou um líder empresarial de sucesso? Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará...essa verdades não é apenas afirmar uma teologia, mas sim a busca um entendimento do que realmente a coisa é. ler os seguidores a pensar e buscar entendimento claro com respeito ao mundo e a si mesmo. Infelizmente essa é uma coisa que a igreja brasileira não tem feito....Salvo exceções.